segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Espiritualidade na Pós Modernidade

Vivemos na chamada era pós-moderna. Esse é o tempo que caracteriza-se pela pluralidade e a conseqüente relativização. Diferenciamos do modernismo onde a crença era a de que a verdade poderia ser encontrada unicamente através da ciência. Porém nesse novo tempo o que se propõe é que não existe uma só verdade, mas sim várias maneiras de interpretar o mundo em que vivemos. O pós-modernismo não precisa ser encarado como um mero ceticismo a respeito de tudo, mas pode ser visto positivamente como a maneira de entender as outras maneiras de ver o mundo. O que já não cabe mais nessa era são os ortodoxismos e dogmatismos engessados das velhas instituições religiosas, científicas, filosóficas, políticas, etc. Entretanto, isso não quer dizer que a ortodoxia precise ser jogada fora, mas pode ser humildemente encarada como mais uma das muitas possíveis interpretações de um mundo e humanidade tão complexos. A tradição terá sua validade sempre que estiver em constante diálogo com outras tradições e aberta a reconstrução e re-significação.
É pensando nisso, que eu tenho chegado a conclusão que uma concepção de espiritualidade precisa estar em conexão com esse novo tempo da humanidade. Este, também chamado de “era da informação”, não é mais o tempo de conhecimentos e pessoas isoladas. Quer queiramos ou não, não estamos sozinhos, além de toda a tecnologia que nos conecta ao mundo inteiro, temos em nossas mãos todo legado de conhecimento como a história, a filosofia, a ciência, a sociologia, a religião, etc. que não nos deixa margem para pensarmos isoladamente. Mas com todo esse acúmulo de saber herdado somada a inescapável conexão com o mundo, com os outros povos, com o diferente; ficamos obrigados a reformular toda nossa vivência a partir dessa perspectiva globalizada e interdisciplinar. Isto não quer dizer que temos que nos tornar em seres despersonalizados, padronizados sem nenhuma identidade própria que nos diferencie. Apesar de tudo isso nos levar a considerar nossas igualdades e diminuir o conflito das nossas diferenças, entendo que podemos e devemos sim manter nossas singularidades, entretanto o que já não é mais possível é termos atitudes de intolerância para com as singularidades dos demais. Neste caso, o diálogo deverá ser o mecanismo mediador que protege a identidade, mas que ao mesmo tempo nos tornará capazes de rever nossas certezas absolutas.
Uma espiritualidade que considera essas premissas fundamentais, forjará seres humanos habilitados a agir amorosamente com o seu próximo, seja ele diferente ou semelhante.  Cultivar espiritualidade na pós-modernidade é se relacionar com os aspectos imateriais que dão significados de existência ao ser humano dentro de sua própria identidade ou tradição ou a partir dela, mas sempre aberto a dialogar com o diferente. A vantagem em relação ao modernismo, é que agora não somos mais os donos da verdade, mas reconhecemos que nossa verdade é uma das muitas verdades possíveis.
Até agora eu me utilizei de termos gerais para tratar do tema de espiritualidade na pós-modernidade, sem entrar em situações específicas. Eu diria que o uso da abstração é proposital para permitir que o leitor possa ele mesmo fazer a aplicação que lhe convier. Mas o que proponho no presente artigo é uma maneira de lidar com nossos significados sejam eles mediados pela religião, pela mística ou pela nossa maneira de lidar e enxergar a vida e tudo o que fazemos e somos. É preciso que, seja lá qual for a nossa (des)crença espiritual, pensemos como habitantes do mesmo planeta, membros da mesma comunidade. O individualismo e materialismo, que imperam também nessa era, nos encaminharão para nossa auto-aniquilação. É preciso mudar, ou os seres humanos vão entrar em extinção. Exemplos disso estamos vendo diariamente nos jornais: guerra, fome, destruição do meio ambiente, aquecimento global, morte de inocentes. A vida humana tornou-se sem valor para os próprios seres humanos, porque matamos uns aos outros.  Os fundamentalismos não nos ajudarão, só acelerarão esse nosso processo suicida. A utopia de um projeto de espiritualidade é fazer com que todos os homens sejam capazes de amar uns aos outros, de dar a vida uns pelos outros, sem matar e sem morrer. Paradoxal? Talvez. Mas é nossa única chance de sobreviver.

André Luiz Alves da Silva

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vamos ao velório?


Quem me conhece de longa data pode se espantar com o título que escolhi para este texto.
Explico; sempre achei uma chatice ir a velórios, costumava até a dizer que não iria nem no meu, não é uma questão de medo ou qualquer outra fobia a este respeito. Apenas achava sem sentido, era melhor enterrar, ou, melhor, cremar e pronto.
Agora tenho que dar a mão a palmatória. O velório é sim muito importante,  hoje a meu ver, mais significativo que o enterro (olha eu apanhando de novo daqui a algum tempo).
Por estes dias fui avisado da morte do pai de um amigo, bem na verdade eu tinha o pai em tão alta estima quanto o amigo, pois também gozei de um pequeno convívio com o senhor de mais de noventa anos. Não digo que era daqueles velhinhos simpáticos, era ranzinza, e dificilmente esboçava um sorriso. Cheio de manias, mas ao mesmo tempo nas entrelinhas de suas atitudes, consegui sentir um homem bom que se preocupa com os demais. Devo muitas coisas a ele.
Fui então ao velório, prestar minha homenagem a ele e as condolências a família. Digo homenagem, pois acredito que não será a última, pois procurarei falar dele para as pessoas, não como uma evangelização ou divulgar-lo, apenas para honrar sua memória, contando as coisas boas que ele fez, o que devo a ele, o que aprendi com ele nos poucos minutos que tinha contato. Por falar em contar, por exemplo, hoje faço parte de um ótimo grupo escoteiro, devo este fato a ele, pois foi por ele enviar material deste grupo para mim, que me interessei e fui conhecer.
Mas este artigo não se destina a contar minha relação ou melhor a relação que minha família mantia com este bom velhinho, então vamos continuar a narrativa do velório.
Ao chegar ao velório as 22 horas de um domingo ficamos procurando a sala onde estariam velando o corpo. O corredor era em T, a porta de entrada uma sala de velório a direita, não reparei se havia outra a esquerda, andando mais 3 passos haviam salas para direita e outras tantas para esquerda. Procuramos para ambos os lados, ou melhor eu procurei, pois minha esposa havia visto a lista e já estava frente a sala quando eu ainda procurava pela ala esquerda. Do lado direto haviam algumas salas com umas poucas pessoas mas na ala oposta havia um velório lotado! Muitas pessoas todas vestidas elegantemente.
Achei minha esposa então em frente ao velório, ou melhor da sala onde estava o corpo de nosso querido amigo.
Fechada.
Apenas um aviso agradecendo a presença de quem porventura viesse, informando que a família estaria de volta as 7 horas da manhã, o enterro seria as oito.
Fiquei momentaneamente chocado.
Mas por que fiquei chocado? Hoje isto é comum, afinal, já existe a modalidade do assalto a velórios. Além do que eu sempre achei uma perda de tempo ficar ali velando um corpo.
Enquanto isto naquela sala cheia de homens de terno e gravata e mulheres de vestido, começaram a entoar hinos. Então pude compreender. Eram crentes, evangélicos, cristãos, enfim use-se o rótulo que for, a verdade é que era uma comunidade que estava ali, solidário aos que sofriam, homenageando o falecido e trocando momentos de convívio.
Neste ponto notei que algo me incomodava. Não tenho intenção de criticar a atitude da família que fechou o velório e foi embora, pois pelas minhas próprias convições, eu concordava com eles.
O que estava errado então?
Meditando sobre o assunto, tive que desconstruir minhas ideias a este respeito.
O enterro é apenas a formalização do fim da vida. Um religioso (padre, reverendo, pastor, monge, etc, isto quando há) diz algumas palavras, o corpo desce a sepultura ou entra no forno crematório, são feitos agradecimentos formais aos presentes em nome da família, e dependendo da religião é dado o aviso da missa, culto ou rooji.
Mas o velório é uma comemoração a vida! Nos mais tristes, geralmente de jovens ou crianças, existe muito pesar, choro e sofrimento, mas as pessoas estão ali para dividir a dor dos pais e irmãos. Das pessoas mais maduras ou que sofriam há muito tempo, o clima costuma ser mais ameno, muitas vezes rolam até as famosas piadas de velório.
Seja como for, é um momento onde as pessoas se encontram, muitas vezes velhos conhecidos ou parentes que há muitos tempo não se viam. Conversam, falam sobre suas vidas, dividem experiências, renovam laços, mas principalmente, é inicado um processo de construção da memória da pessoa que se foi. Ela não cai no esquecimento, mas continua a fazer parte da vida de todos que ficam.
Isto nos remete ao fato que com a urbanização, os valores comunitários que existiam nas sociedades do campo, se perderam. O homem do campo dependia de relações de compadrio por exemplo. Em situações difíceis, eram os “cumpadres” que davam a mão, ou na hora de executar um grande trabalho. As mulheres se uniam para fazer as festas, para cuidar dos doentes, enfim tudo girava em torno de um senso comunitário. Se o “cumpadi” fica sem casa, seja por um incendio, uma enchente, etc. A família dele não fica sem teto, tem logo não um mas vários convites para se abrigarem enquanto a comunidade junta esforços para a reconstrução. Se a “cumadi” fica doente e o “cumpadi” não tem como cuidar da mulher, dos filhos e do roçado, logo muitas mulheres da comunidade se revezam, não só para cuidar da “cumadi”, mas também para dar conta da família dela e todos os afazeres domésticos. É a visão no “nosso”.
Mas na sociedade urbana e principalmente de consumo que criamos o que impera é o “meu”, é a minha vida, minhas coisas, meu tempo. A meta de cada um é alcançar sua indepêndencia. Sonhamos que nosso filhos sejam pessoas bem sucedidas, de quebra, honestas e felizes, mas a felicidade, e o que é pior, a honestidade dependem do sucesso alcançado. Medimos as pessoas pelo que elas tem, não pelo que elas são.
Esta visão individualista nos impede de ver o outro, e quando enxergamos, queremos que ele se encaixe no que nos gera valor, um valor que nunca poderá ser alcançado uma vez que é individual. Com isto as relações tem dificuldade de se consolidar.
Precisamos ampliar e aprofundar nossos relacionamentos, sair da superficialidade. Trata-se de um exercício de entrega.
Seja como for, que tal um veloriozinho hoje?