O entendimento que temos da realidade que nos cerca é produto de representação.
Comecemos por Deus. Ninguém jamais viu a Deus, já dizia o evangelista João. Deus só pode ser concebido por meio de representação, de analogia, de comparação, de simbologia. É por isso tudo o que “sabemos” a respeito de Deus nada mais é do que o produto de nossa imaginação baseado em alguma experiência que chamamos pelo nome de Deus. O fato é que mesmo que não creiamos em nenhuma divindade, fatalmente estaremos optando por alguma crença, posto que também a não existência de Deus é improvável. Mas se concebemos algum Deus teremos de lançar mão de um modelo que nos sirva de comparação. Os cristãos fizeram a opção por Jesus, como símbolo (representação) de Deus. As religiões afro-brasileiras têm seu panteão de divindades, os orixás, e tem por Deus o Pai Olorum. Os mulçumanos tem Alá. Os hinduístas tem Shiva e centenas de outras divindades. Logo, uma convicção absoluta de Deus é idiotice e uma convicção absoluta de não-Deus também é imbecilidade. Tudo não passa de um caminho escolhido, de uma escolha de crença.
Crença não é convicção, não é certeza. Acreditar é dar crédito a. Como numa operação financeira em que o banco ao emprestar dinheiro ao seu cliente está lhe concedendo um crédito.
Mesmo a matemática, embora lide com resultados exatos é formada por representação. Os números nada mais são que representação do que chamamos de quantidade. A representação faz parte de qualquer aspecto da vida humana. Representamos sons e comunicação pela linguagem. Representamos a vida nas manifestações artísticas. Shopenhauer já falava do mundo como vontade de representação. Não há problema em representar, em simbolizar, em imaginar. O problema está em nossa convicção sobre a nossa representação. A certeza de nossa interpretação é perigosa porque nos cega para o fato de outros possuem interpretações diferentes e também legítimas
A meu ver, toda ortodoxia e dogmatização fundamentalistas são barreiras para um pensamento inteligente. Portanto, eu sugiro que toda convicção e certeza seja questionada.
Algumas áreas onde nossa percepção de realidade dogmatizada e que precisamos reconsiderar apenas como percepções e não como a verdade última:
- Religião. Há milhares. Não pode ser possível que apenas uma seja a correta. Cada um faz a sua opção por um caminho.
- Moral. Certo e errado mudam conforme localização geográfica, cultura, tempo, contexto, etc.
- Ética. É preciso entender a ética dentro do contexto da situação. Afinal, se diz que até bandido tem sua “ética”.
- Família. O modelo familiar mudou, hoje temos uma pluralidade de modelos com os casais homoafetivos, os divorciados, filhos adotados, etc.
Enfim, todas as áreas da vida humana estão marcadas pela representação e por isso podem ser repensadas e não precisam ser absolutizadas. É nossa necessidade de dar sentido que faz com que nos apegamos a convicções sobre modelos e sistemas que nada mais são do que a maneira como queremos significar as coisas pra nós. Ou seja, queremos que a vida e o mundo façam sentido.
O caminho da maturidade a meu ver percorre pela percepção do fato de que não sabemos o sentido ou se a vida tem algum sentido. E nesse caso, ou convivemos com esse vazio de sentido, ou damos um sentido para ela, ou ainda optamos por um caminho que poderá ser o de alguma religião ou crença. Fato é que, quer optemos por um caminho de ter sentido ou não ter sentido conviveremos com a dúvida se encontramos a verdade ou não. Portanto a resposta adequada a como conviver com isso, é a humildade no sentido de “eu não sei o sentido da vida, mas a minha opção é essa tal e tal”. E a opção de outro ser humano deverá ser respeitada. Essa opção trilhará pelo caminho da esperança e da fé. Em outras palavras, podemos dizer que todo ser humano é provido de fé, de esperança. Podemos então concluir que ter fé e esperança é humano, ter convicções e certezas é infantilidade.
Porém respeitar a opinião ou o caminho do outro quanto ao sentido, não quer dizer que não possamos fazer questionamentos. Repito o caminho da maturidade não é ter certeza, mas é justamente a dúvida e a consciência de que o significado escolhido é apenas mais “um” e que, portanto sempre poderá ser desconstruído e novos significados poderão ser construídos. Parece loucura, para alguns. E talvez eu deva dizer que nem todos suportarão esse tipo de pensamento e vão se trancar nos seus próprios significados. Já dizia Sócrates: “Só sei que nada sei."
Autor: André Luiz é estudante de Teologia e pós-graduando em Filosofia. É também palestrante da Ruah.
"A certeza da dúvida..." (Descartes)
ResponderExcluirArrasando Andrééé!
Beijos,
Leticia Muranaka
Obrigado Letícia pelos elogios e por prestigiar nossas postagens!!! Seja bem vinda.
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